quinta-feira, 27 de junho de 2013

Não ser como Pilatos



Não pode nunca o cidadão, qualquer que seja a sociedade a que pertença, ter uma atitude de indiferença em relação à ação prosseguida pelo poder político.
Só a intervenção esclarecida de cada um no espaço público torna possível a construção progressiva de uma sociedade cada vez mais justa: fazendo recuar as políticas desumanas, centradas em fundamentalismos económicos e /ou religiosos, que consideram como danos colaterais o desemprego, a miséria, a fome, o desespero por ela gerados; e fazendo avançar o estado das coisas, pela proposta e pela luta, para patamares de maior justiça social.
É nosso dever assim, enquanto cidadãos, lutar para a implementação de políticas que visem o bem comum, considerando cada um dos indivíduos da comunidade.
“A política é uma das formas mais altas de caridade, porque busca o bem comum” (Papa Francisco). É o ágape, um sentimento altruísta, uma atenção aos outros sem busca de recompensa. Deste ponto de vista, surge-nos como um dever cristão, ao qual devemos corresponder.
Mas quantos de nós participam nas assembleias municipais, escrevem nos jornais ou nos blogues, denunciam os erros cometidos, apontam estratégias, apresentam propostas para preservar e desenvolver o meio onde vivem?
A identificação de política e partidarismo e a ação de políticos-burocratas-narcísicos afastou-nos da intervenção. Tornámo-nos Pilatos. Falta-nos uma educação política, que nos capacite para saber tomar e avaliar as decisões, que nos elucide sobre a presença da política na nossa vida e nos conduza a agirmos.
Com essa formação, os jornalistas saberiam perguntar aos alunos em que é que a greve dos professores os poderia beneficiar em vez de armarem espetáculos em frente às escolas com jovens pseudo-perturbados por terem um exame adiado; e também perguntariam aos doentes o que poderia melhorar no atendimento hospitalar com a luta dos médicos e enfermeiros; e quem quer ser conduzido por um piloto cansado? Quem quer ser atendido por um funcionário sem formação adequada? E que liberdade é esta que nos afasta dos filhos ou dos pais, o dia inteiro, e nos faz enchê-los de medicamentos para a falta de atenção?
Não podemos mais dizer que a política não tem a ver connosco, pois ela manifesta-se em tudo, até no tempo que te é dado para leres este breve texto.
Bateu certo o Papa Francisco, ao enunciar uma verdade tão esquecida hoje, não apenas por muitos cristãos mas pela maioria dos cidadãos, anestesiados pelo bem-estar com que a miragem do progresso os beneficiou.
O perigo desta atitude, que já Tocqueville reconhecera no seu estudo sobre a democracia na América, continua a minar a vida das nossas democracias, fragilizando-as: só a nossa vigilância crítica permanente pode evitar este processo, tornando mais sólida esta extraordinária criação humana.



segunda-feira, 17 de junho de 2013

Rondó da Carpideira




Quando uma música entra nas minhas células e não sai, ando a trauteá-la por tudo e por nada. Invade-me e brota como respiração, tornando-se parte do meu ser.
Essa música cresce em mim como uma força maior, ultrapassa a minha decisão e, por isso, surpreende-me a qualquer momento como impulso inevitável.
Isto acontece-me sobretudo com My Way e, ultimamente, com O Rondó da Carpideira.
Fui levada para a música da terra, das onomatopeias e dos xailes pretos, ao som da excelente seleção de imagens de Giacometti, tão bem recriadas no piano e no saxofone, numa noite bem luminosa, no CCC. 
 
 
Fiquei envolta com o cheiro do canto do povo, uma melopeia ao ritmo do trabalho, das estranhas voltas da vida.
Comunguei, assim, estas raízes, estes ritos, que marcam os dias e revelam a sabedoria do povo. Gente que cava melhor comandada pelo “mandador”, que apregoa ao vento o peixe e o azeite, que fala com os animais e reza a cantar.É gente que sabe da necessidade de libertar a dor, nem que seja com a ajuda da carpideira, que nos move a soltar a tristeza da perda da vida.
Dada a minha dificuldade em chorar, este carpir deu voz ao meu choro calado, sem lágrimas, ficou dentro de mim como uma ladainha, que me embala e me acalenta.
Obrigada, gente do campo, que sabes cantar a vida e me impregnas melodias e ritmos da natureza da terra, dos animais e me ajudas a aceitar a minha natureza.
Obrigada, Giacometti, por saberes olhar para os sons do homem e da mulher portugueses, valorizando toda a sua tradição popular.
Obrigada, Mário Marques, Daniel Bernardes e Gonçalo Tarquínio pelos voos criados em redor dessa música. Deram-me vontade de dançar a noite inteira numa roda de escamisada.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

A espera







A espera

Dou-te tempo, tanto tempo
P’ra me seduzires com olhares
P’ra me beijares todo o momento
Dou-te tempo p’ra me agarrares

Mas fico à espera, afogada
E o tempo devassa a minh’alma
Que voa só e inconformada
Pois não basta esta vida calma

E fico à margem de mim própria
Não te maravilho em sorrisos
Não bebo teu calor em volúpia
Nem me dou em lençóis lisos

Perco o tempo, perco-me a mim
Em sofrimento, em desalento
Escondida em dores sem fim
Que martirizam o pensamento

Reza para que eu nunca pare
Pois no silêncio absoluto
Farei uma dança tão ímpar
Que renascerei desse luto

Dou-te mais uns breves segundos
Não mais do que um instante
P’ra  me envolveres em novos mundos
E contigo ser doce amante

Não te esqueças que há muita murta
Com ela o vento  rodopia
Está escondida na noite curta
Mas ilumina o nosso dia