segunda-feira, 25 de março de 2013

Um beijo




As palavras não diminuem o vazio entre nós
As palavras não dançam nos nossos corpos  
As palavras não voam dos teus olhos aos meus
As palavras não dizem como te amaria, meu amor

Talvez o vento pudesse vir em nosso auxílio
E o seu embalo nos fizesse esquecer esta dor
Mas tu foges de uma leve brisa marinha
Ainda ela não te envolveu no seu verde sopro

Só um beijo nos resgataria a vida perdida
Um beijo feito de mil beijos espalhados
Um beijo bebido, entranhado, lambido
Um beijo vital, quente, cheio de nós

terça-feira, 19 de março de 2013

A verdade



A verdade é que Inês ansiava por um olhar que se cruzasse com o dela. Seria um ato de amor por ela, consigo.

A verdade é que as dores constantes que moíam todo o seu corpo, os zumbidos que há tantos anos não a deixavam saborear o silêncio e descansar, o cansaço permanente eram sempre um mal menor relativamente à ausência de comunicação.

Onde estaria a verdade do amor de Vilela, que ela não via? Poderia esse amor transparecer através do milagre da mudança dele? Se Vilela fosse mais paciente, ponderado, dedicado, verdadeiro, entusiasmado pela vida, ela sentir-se-ia amada.
Era profunda a dor pelos beijos e abraços que não dava, pelos sorrisos calados, pelas brincadeiras que não aconteciam. 

Que sentido teria permitir a sua vida ser privada da alegria, graça, felicidade partilhadas em favor dos benefícios do hipotético percurso que ele não queria ou não conseguia fazer?

E enquanto ele não percebesse quais as diferenças entre a sua mulher e qualquer outra pessoa, não entraria nela, nem iria seduzi-la. Era evidente que para Inês a sedução seria o gosto posto em cada pequena coisa feita ao longo do dia, fazendo amor com a vida, sentindo-se vital como uma respiração. Mas, para Vilela, ela era apenas essencial na sua presença, existindo num plano muito inferior à paixão dele pelo conhecimento, pela sabedoria.

Ele, que afirmava não saber como tomar iniciativa relativamente ao encontro com ela, era ferozmente impelido a escrever e a estudar os mais infindáveis temas, alheando-se do espaço e do tempo, vivendo no mundo das reflexões, deixando-a a almoçar e a sonhar sozinha.

A verdade é que Inês queria ter um homem, que não transformasse tudo em sacrifícios: que deixasse transbordar a felicidade de estar com os outros; que não desesperasse com os pequenos problemas do dia-a-dia (essa seria a verdadeira inteligência e força); que a tocasse deliciosamente com o olhar, palavras, gestos; que lhe fizesse falta, que lhe fizesse mesmo muita falta!
A verdade é que a sua felicidade estava condenada, porque sentia-se gorda, velha, doente e apenas suspensa por um fio.

Paradoxalmente, parecia-lhe pecado viver naquela agonia, e saber dos que passam frio, fome e tortura. Via como ridícula a sua infelicidade perante isso!
Questionava-se: “O que é que eu vim fazer ao mundo?” Partilhara com alguns o prazer de aprender, da exigência, de conhecer, de saborear a arte e a terra, ajudara algumas pessoas, mas ficara afogada naquela solidão desmedida.

E Vilela, sempre absorto com algum pensamento muito elevado, não se apercebia de que ela morrera a seu lado e já só arrastava o corpo numa dança vazia, sem esperança.

sábado, 9 de março de 2013

Quem é o inimigo?



 

Inimigo representa a parte contrária numa disputa, partida ou conflito, seja por pessoa ou grupo, por suas ideias, pensamentos, atividades ou por razões políticas.http://pt.wikiquote.org/wiki/Inimigo

O inimigo é cego, porque não vê ou faz de conta que não vê que os problemas têm perspetivas infinitas, mas que, de alguma forma, a sua solução passa pelas suas mãos.
O inimigo é surdo, pois não ouve a litania do pobre, do aflito. Fica preso às suas necessidades, encontrando no seu bem-estar uma justificação para ignorar o dos outros.
O inimigo cala-se perante a desgraça e o sofrimento ou fala desmedidamente mas não diz nada criativo e eficaz.
O inimigo não saboreia a compreensão, a coragem de dar e dar-se, de perdoar. Esquece ou ignora o saber talmúdico: 
"O maior herói é aquele que faz do inimigo um amigo". http://pt.wikiquote.org/wiki/Inimigo

O inimigo é insensível, provoca violência ou contempla-a nas notícias como se a fome, a sede e o desamparo de alguém não fosse sua responsabilidade.
"Potencialmente, o governo é a mais perigosa ameaça aos direitos do homem: ele mantem o monopólio do uso de força física contra vítimas legalmente desarmadas. Quando irrestrito e ilimitado pelos direitos individuais, um governo é o mais mortal inimigo do homem".
Ayn Rand, Nathaniel. Fonte: http://pt.wikiquote.org/wiki/Inimigo

O inimigo não capta o todo na sua natureza tão bela e complexa, anula os ecossistemas, centrando-se nas suas dores e prazeres. Não percebe ou desvaloriza as consequências das suas ações ou da ausência delas. E assim torna-se inimigo dele próprio.

“O maior inimigo do homem está nele mesmo. Homem valente e verdadeiro é aquele que, mesmo sofrendo injúrias, consegue amansar as feras do seu calabouço!”Samuel Ranner, http://pensador.uol.com.br/

Portanto, não me perguntes se estou bem!!!

Porque a minha saúde só conta na medida em que eu a saiba pôr ao serviço dos outros. A minha missão é estar atenta para levar o ágape às vítimas do inimigo e a ele próprio.

Continua em: "Amar o inimigo".

sexta-feira, 8 de março de 2013

Amar o inimigo


O que é amar o inimigo?

“43. Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. 44. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem. 45. Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos. 48. Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito.”
http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-mateus/5/#ixzz2MwjWytl8
Então, o inimigo pode castrar-me, violar-me, pode paulatina e sub-repticiamente anular os meus projetos ou os de outro qualquer e eu devo amá-lo?!Como?
“27. Digo-vos a vós que me ouvis: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam. 31. O que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles. 32. Se amais os que vos amam, que recompensa mereceis? Também os pecadores amam aqueles que os amam. 33. E se fazeis bem aos que vos fazem bem, que recompensa mereceis? Pois o mesmo fazem também os pecadores. 34. Se emprestais àqueles de quem esperais receber, que recompensa mereceis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para receberem outro tanto. 35. Pelo contrário, amai os vossos inimigos, fazei bem e emprestai, sem daí esperar nada. E grande será a vossa recompensa e sereis filhos do Altíssimo, porque ele é bom para com os ingratos e maus. 36. Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso. 37. Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados; 38. Dai, e dar-se-vos-á. Colocar-vos-ão no regaço medida boa, cheia, recalcada e transbordante, porque, com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos vós também.”
http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-lucas/6/#ixzz2MwifSTlo
 
Conseguirei amá-lo:
- Rezando por todos.
- Dando sem esperar recompensa, sendo misericordiosa.
- Sendo para os outros como quero que sejam para mim.
- Percebendo que o amor incondicional não se circunscreve aos filhos ou à família. Fazendo transbordar a toda a humanidade o ágape, aprendendo a sentir em cada ser humano um irmão.
- Não julgando, pois a justiça divina compreende os inimigos. Sabendo perdoar, reconhecendo que o meu afastamento e/ou desprezo pelo inimigo não pode de forma alguma ser confundido com tolerância.
- Dando a minha vida por ele, querendo ser "perfeita".

Continua em: "Dar a vida".

Dar a vida


Como é que eu dou a vida?

“28. Abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos injuriam. 29. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra. E ao que te tirar a capa, não impeças de levar também a túnica. 30. Dá a todo o que te pedir; e ao que tomar o que é teu, não lho reclames.”
http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-lucas/6/#ixzz2MwifSTlo
Terei que ser o cúmulo da passividade, permitindo as injúrias e os roubos?

Talvez seja preciso eu olhar a situação, não na perspetiva da valorização do que me foi dito ou retirado, mas sim dos efeitos a que a minha reação de preservação do corpo e dos bens possa conduzir. Deste modo, não estaria a ser defendida a ação invasora do inimigo, mas uma forma de evitar a guerra, deixando-o roubar tudo (até a vida!), uma vez que “o que tem mais valor” ele não consegue tirar-nos: o ágape.
A Expulsão dos Vendilhões do Templo, 
 El Greco, c. 1600 (pormenor)
No entanto, Jesus não permitiu que vandalizassem o templo, e até recorreu a métodos muito pouco passivos:

“14. Encontrou no templo os negociantes de bois, ovelhas e pombas, e mesas dos trocadores de moedas. 15. Fez ele um chicote de cordas, expulsou todos do templo, como também as ovelhas e os bois, espalhou pelo chão o dinheiro dos trocadores e derrubou as mesas. 16. Disse aos que vendiam as pombas: Tirai isto daqui e não façais da casa de meu Pai uma casa de negociantes.”  
http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-joao/2/#ixzz2MxFOXYTB
Jesus, porque é Deus, sabe onde está o pecado e age por forma a corrigir a situação. Nós não teremos assim tanta clarividência, mas, mesmo assim, somos chamados por Ele a corrigir o nosso inimigo:

“15. Se teu irmão tiver pecado contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente; se te ouvir, terás ganho teu irmão. 16. Se não te escutar, toma contigo uma ou duas pessoas, a fim de que toda a questão se resolva pela decisão de duas ou três testemunhas. 17. Se recusa ouvi-los, dize-o à Igreja. E se recusar ouvir também a Igreja, seja ele para ti como um pagão e um publicano.” 
http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-mateus/18/#ixzz2MxdZdDID
"O conformismo é carcereiro da liberdade e inimigo do crescimento."
John F. Kennedy, discurso na ONU (1961). http://pt.wikiquote.org/wiki/Inimigo

Contudo, deste modo, ficamos perante um paradoxo - pois é impossível dar a outra face e simultaneamente repreender ou chamar uma testemunha.

O que fazer?

Como sabemos, a linguagem escrita não traduz a realidade, é tão-somente um recurso humano aproximado para apoiar a comunicação. Parece-me assim, que os “exageros” decorrentes de uma leitura literal, que põe na boca de Jesus um incentivo à passividade, possam ser interpretados como um recurso estilístico conducente à evidenciação da ideia de que a capacidade de se dar, de partilhar deve ser em relação a tudo (veja-se a passagem bíblica do pai que é chamado a entregar o seu filho), pois nada é verdadeiramente nosso - somos de Deus.

Enfim, vejo o exemplo e as orientações de correção de Jesus dados como uma lição, que devemos pôr em prática perante as injustiças, na luta pela liberdade e pela igualdade, o que não põe em causa a misericórdia e pressupõe uma enorme capacidade de perdoar.

E porque a ironia é uma arma mais forte do que a raiva, convém não esquecer:
"Nunca deixe de perdoar seus inimigos, nada os aborrece tanto."
 Oscar Wilde, http://pt.wikiquote.org/wiki/Inimigo