Querida e
linda Inês:
Encontrei um
lamento teu, perdido a voar pelo céu, esquecido no tempo, e fiquei perplexa
perante as tuas palavras. Já os teus olhos sem brilho e o teu sorriso quase
choro me falavam desta dor e de todas as que voltaram. Disseste tu, não sei a
quem… talvez a ti própria e a mais ninguém:
“Ai, se me
desses longos beijos com a boca doce e a língua a saborear-me. Queria beijos desses em toda a pele,
sobretudo nos seios, para sentir a tua sede de mim…
Ai, se as
tuas mãos me percorressem lentamente, se entrasses em mim e me transformasses
por inteiro, fazendo-me tua. Queria tanto ser tua…
Ai, se o teu
olhar me despisse e voasse pelo meu ser devagarinho, ouvindo a paz do silêncio,
a alegria do meu sorriso. Queria ver um pássaro azul no teu olhar…
Ai, se
dançasses comigo as músicas mais lindas como se fizéssemos amor ao ritmo da
nossa respiração. Queria tanto enlear-me em ti…
Ai, se me falasses
vendo o ser especial que eu sou e não o teu passado. Queria tanto que soubesses
ver a diferença, o quanto sou genuína…
Ai, se te
abrisses a mim e eu pudesse correr para ti e lançar-me no teu peito, doida de
amor por ti. Queria tanto abraçar-te assim…
Ai, se eu
pudesse surpreender-te com carícias mil, com a alegria das coisas simples e
belas. Queria tanto deliciar-te…
Mas a minha
vida não passa de uma repetição, onde os meus desejos são lançados contra mim,
como pedras, agulhas, falhas. A mim é-me sempre exigido que aceite um amor, ora
sem corpo, ora sem expressão clara de um compromisso comigo para a vida.
Sinto-me em
prova constante como se tivesse de prescindir de tudo. Sinto-me ignorada,
envergonhada por deixar que me “ames” e não saibas ver o que realmente sou e me
confundas com outra qualquer.
E nem sequer
está em causa a minha capacidade de te amar, porque é impossível eu não te
querer bem. Não preciso que sejas perfeito, porque o meu amor não tem condição.
Eu amo o mais que sou capaz de amar sem limite.
Mas começo a
querer muito, muito que a nossa vida seja tão diferente do que é, que já nem
sei que sentido tem vivê-la assim…
Eu sei que
sou exigente, mas acho uma falta de consideração por mim alguém pensar que
menos do que a verdade, menos do que querer-me toda, menos do que fazer das
tarefas diárias comuns um ponto de encontro, menos do que optar por nós como
condição essencial para a nossa união, me satisfaz.
Não vale a
pena, pois, falar-te sobre as minhas necessidades, porque nada muda, porque a
tua forma de amar ignora o meu corpo e assim para ti não sou mulher, mas um ser
bondoso, um anjo.
Não vale a
pena ter todos os dias, todas as horas, sempre, a maldita esperança de que o
nosso encontro possa acontecer. É como se seguíssemos caminhos suspensos, sem
chão. Falta deitarmo-nos na terra, na areia, na caruma…
Não vale a
pena pensar que o teu ser espantosamente lindo é essencial para me fazer feliz.
Eu sou feliz pelo que sou, mas falta-me sê-lo pelo que receberia de ti e pelo
que te daria.”
Minha flor:
Precisas de
tempo. Vai até à praia das laranjeiras naquela lambreta, que um dia passou à
tua porta, para sentires o que permanece dentro do movimento: as marés, o
vento, os cheiros, o calor. Saboreia a vida nesse embalar e aceita que é tua
condição buscares (mesmo que tenhas intenção de evitar) essa e outras
repetições. Mas, se já te sentes afogada nelas, então cabe-te a ti identificar
como se gerou esse ciclo e determinar o que há realmente a fazer ou a evitar
para te salvares de ti.
Precisas de
luz, essa força que tens em ti por seres de Deus. Vê em cada dificuldade um
caminho para a sabedoria do que é amar incondicionalmente. Aprenderás assim a
magia, o milagre de construir o amor com a doçura, a entrega, a coragem de
crescer com o outro.
Precisas de
dançar. Baila de alegria, volteia em êxtase, rompe o céu com um grito teu e
adormece. Dorme no meu colo e sonha as coisas mais belas. As tuas células
renascerão com um fogo de vida capaz de te renovar.
Precisas de
escrever. Não para mudar ninguém, nem para acusar, mas para te revelares no
mais íntimo de ti. Não cales a tua dor, pois sabes o quanto ela se entranha no
teu corpo. Assim, tocarás a sensibilidade de quem realmente te ama, partilhando
as tuas perspetivas. Mas, se o teu amado te calar com as suas condições, os
seus medos, as frustrações do seu passado, se ele não souber entregar-se a ti, se
ele te manipula, transformando os seus atos de amor em sacrifícios e/ou em
escolhas que o vitimizam, então questiona a tua opção.
Precisas de
acordar. Não te deixes afogar pela esperança. Ela exige paciência, mas não é
uma espera eterna. Portanto, age: ama mais, ama diferente, ama como nunca
amaste. Cuida de todo o teu ser como o fazes relativamente aos outros, para que
mais confiante, mais linda, mais apaixonada saibas voar.
Sei que és
capaz de coisas maravilhosas!
A tua sempre
amiga,
Flor