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A dança - Matisse |
A comunhão, a partilha de afeto, a alegria vivenciadas na biodanza são interpretadas por alguns como uma farsa, um teatro, uma palhaçada, que só acontece dentro do espaço e do tempo de cada aula, não tendo qualquer repercussão a nível interior e exterior.
Poderemos, à partida,
concordar que a intensidade experienciada em cada dança e a profundidade
estabelecida nas relações interpessoais não têm paralelo nas rotinas profissionais
e sociais dos mesmos intervenientes. Esta diferença remete-nos para o reconhecimento
de que somos um todo mais ou menos unificado de diversidades, as quais são
exploradas e expostas consoante os contextos ou outros fatores que contribuam
para tal. Portanto, o que eu faço num determinado espaço com uma pessoa, não
tem de ser exatamente igual ao que faço noutro lugar nem com outras pessoas.
Excluo aqui a situação dos trânsfugas, pois dada a sua incoerência moral, são
pouco confiáveis, são um múltiplo que não conjuga nada e, por isso, difíceis de
respeitar.
Por outro lado, pensar-se a
vida como uma súmula de fatos lineares, previstos, certos, sem espaço para a
loucura, é esquecer a nossa natureza. De acordo com Alain de Botton,( Bíblia Sagrada: Religião para Ateus, D.
Quixote, 2012, pp. 63-66) “nos momentos mais sofisticados, as religiões aceitam
a dívida que a bondade, a fé e a doçura têm para com os seus opostos”. Cita a
Faculdade de teologia de Paris, que em 1445, defendia a parodia sacra “para que a loucura, que é a nossa segunda natureza e
é inerente ao homem, possa esgotar-se livremente uma vez por ano”, de modo a
garantir que, fora desse momento, as coisas corriam bem. Aqui, os homens eram
comparados a barris de vinho que rebentavam se não fossem abertos. A moral que
Botton retira desta festa dos Tolos é que “se queremos comunidades a funcionar
bem, não podemos ser ingénuos em relação à nossa natureza”. Há que saber dar
lugar ao caos para sabermos ser racionais e fiéis convictos.
Hoje em dia, a ciência põe
em evidência esta sabedoria, pois segundo as palavras do meu cardiologista, as “dores
de coração” devem-se a ter atingido um estado limite, sendo o meu próprio
coração a avisar-me de que não gastei a adrenalina que foi gerada aquando das
situações que li como perigosas. Parece que antigamente, os primeiros homens a
libertavam naturalmente, através da caça e de outras atividades que realizavam.
Mas nós habituámo-nos a acumulá-la, esquecendo a nossa natureza, violando-a, e
por isso, é também natural que “rebentemos se não formos abertos”.
Ora, quem conhecer um pouco
da Biodanza saberá que se propõe uma exploração desses gestos ancestrais, que, entre
outros, nos permitirão libertar essa adrenalina acumulada de forma a sermos
mais saudáveis. Poderá parecer uma brincadeira ou um teatro ser uma semente ou uma
rã, mas envolve uma componente muito mais séria, pois ajuda a anular o esgotamento
causado por tanto stresse, transformando-o numa capacidade de autogestão mais
próxima do que é o ser humano.
Portanto, é bom que a biodanza
tenha tanta festa! Somos os tolos que aceitam a sua natureza, mas não se deixam
estagnar nem esmagar pela agonia do caos. Esta dança comporta dimensões de força
e energia que acabarão por transbordar o espaço da aula e trazer uma vitalidade
para a vida, que se verificará sobretudo naqueles que se deixarem perder dentro
e com a música, para crescerem até onde a sua criatividade os levar. Significará
isto, então que a dança da vida entrará nas nossas células e, porque nem tudo é
consciente, pode muito bem estar presente em nós, mesmo que não o reconheçamos.
A biodanza é uma experiência
artística comparável ou até mesmo superior a ver um quadro ou um filme ou a
assistir a um teatro, porque é como sermos os atores, os protagonistas da nossa
história, os pintores da nossa vida.
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