A verdade é que Inês ansiava
por um olhar que se cruzasse com o dela. Seria um ato de amor por ela, consigo.
A verdade é que as dores
constantes que moíam todo o seu corpo, os zumbidos que há tantos anos não a
deixavam saborear o silêncio e descansar, o cansaço permanente eram sempre um
mal menor relativamente à ausência de comunicação.
Onde estaria a verdade do
amor de Vilela, que ela não via? Poderia esse amor transparecer através do
milagre da mudança dele? Se Vilela fosse mais paciente, ponderado, dedicado, verdadeiro,
entusiasmado pela vida, ela sentir-se-ia amada.
Era profunda a dor pelos
beijos e abraços que não dava, pelos sorrisos calados, pelas brincadeiras que
não aconteciam.
Que sentido teria permitir a
sua vida ser privada da alegria, graça, felicidade partilhadas em favor dos benefícios
do hipotético percurso que ele não queria ou não conseguia fazer?
E enquanto ele não percebesse
quais as diferenças entre a sua mulher e qualquer outra pessoa, não entraria
nela, nem iria seduzi-la. Era evidente que para Inês a sedução seria o gosto posto
em cada pequena coisa feita ao longo do dia, fazendo amor com a vida, sentindo-se
vital como uma respiração. Mas, para Vilela, ela era apenas essencial na sua presença,
existindo num plano muito inferior à paixão dele pelo conhecimento, pela sabedoria.
Ele, que afirmava não saber
como tomar iniciativa relativamente ao encontro com ela, era ferozmente
impelido a escrever e a estudar os mais infindáveis temas, alheando-se do
espaço e do tempo, vivendo no mundo das reflexões, deixando-a a almoçar e a
sonhar sozinha.
A verdade é que Inês queria
ter um homem, que não transformasse tudo em sacrifícios: que deixasse
transbordar a felicidade de estar com os outros; que não desesperasse com os
pequenos problemas do dia-a-dia (essa seria a verdadeira inteligência e força);
que a tocasse deliciosamente com o olhar, palavras, gestos; que lhe fizesse falta,
que lhe fizesse mesmo muita falta!
A verdade é que a sua
felicidade estava condenada, porque sentia-se gorda, velha, doente e apenas suspensa
por um fio.
Paradoxalmente, parecia-lhe pecado
viver naquela agonia, e saber dos que passam frio, fome e tortura. Via como
ridícula a sua infelicidade perante isso!
Questionava-se: “O que é que
eu vim fazer ao mundo?” Partilhara com alguns o prazer de aprender, da
exigência, de conhecer, de saborear a arte e a terra, ajudara algumas pessoas,
mas ficara afogada naquela solidão desmedida.
E Vilela, sempre absorto com
algum pensamento muito elevado, não se apercebia de que ela morrera a seu lado
e já só arrastava o corpo numa dança vazia, sem esperança.