terça-feira, 15 de julho de 2014

Amo-te!





Deitei-me no barco, deixei-me levar pelo vento e adormeci. Fui acordada, ao entardecer, pelo grito doido de uma gaivota, que pairava sobre mim. Minha pele fervia e no meu peito ainda não sossegara o corcel.

Estranhamente, o barco aproximara-se da nossa praia. Avistei um vulto na minha direção, mas a cabeça pesava como pedra, impedindo-me de erguê-la.
Acordei ao teu colo e, num gesto impulsivo, estremeci e quis fugir, como que a não querer voltar atrás. Mas tu envolvias-me tão docemente que me quedei no teu abraço. Tinhas o mar nos teus olhos e acariciavas o meu cabelo como se d´oiro fosse.

Ao meu primeiro gesto para falar, calaste-me com um beijo e mais um e outro até me revelares os teus desejos mais luminosos de mil cores. Ficámos frente a frente, apoiados com as mãos no queixo e os cotovelos na areia e então eu falei-te do meu anjo, pássaro mágico, que em mim sempre existira e se revelara numa dança da vida.

Desvendei-te assim o meu mistério semelhante ao teu: a missão de partilhar amor, sem a qual a vida não tem sentido. A luz que viste ao nascer foi a que o anjo me trouxe e é ela que nos une. Daí o nosso poder para olharmos dentro de quem encontramos e os levarmos a serem mais próximos, mais vivos, mais felizes uns com os outros.

Mas o contato, que é imprescindível estabelecer com eles, exige uma dádiva tal de corpo e alma, que não cabe no entendimento de quem escolhemos para viver connosco. Sofremos nós por nos sentirmos por eles limitados e sofrem eles próprios por ser-lhes impossível confiar no nosso amor por eles, se o revelamos tão fisicamente aos outros.

E, porque eu vivi contigo esta experiência de confiança, tu percebeste que eu era a única pessoa capaz de te amar nessa liberdade de ajudares quem se cruza contigo e que também tu irias ter coragem de te libertares da relação, que te obrigava a ocultar a partilha do afeto para não magoar.

No entanto, faltava o inverso: tu saberes como eu poderia dar esse amor sem que tu deixasses de ter um valor especial. Por isso, falei-te da falta que só tu me fazias quando as maravilhas da vida transparecem na natureza, nas artes, nos momentos mais felizes entre os amigos. Ficava o meu sorriso com menos graça, brilhava menos o meu olhar, sabiam a pouco as palavras, na tua ausência.

Perdia-me eu nesta alegria infinita de te amar, quando me disseste devagar ao ouvido:

- AMO-TE!

E essa palavra feiticeira ficou a ecoar no meu coração até eu fechar os olhos.

Abri-os de novo, pois surgiam vozes a cantar, vindas de longe, que gradualmente ficavam mais fortes e nítidas. Eram crianças, que brincavam num cais para mim desconhecido.

Entretanto, olhei para o barco, ainda um pouco estremunhada, e preparava-me para te dizer alguma coisa sobre aquela alegria, mas não te vi. Percorri-o todo, todo e tu não estavas lá. Desesperada, cheguei mesmo a apalpar as tábuas, baloicei-o e nada, nem sinal de ti. Onde estarias, meu amor, onde?

E, nesse momento, inesperadamente, os pequenitos saltaram entusiasmados para dentro do barco, cobrindo-me com lindíssimas coras de flores. Então, eu senti ser meu dever sair com eles, descobrir aquela terra, aquela gente boa e amá-la o melhor possível.

Afinal, havia em mim um anjo que precisava de partilhar amor!


2 comentários:

  1. É muito interessante desvendar por que razão eu escrevi durante dois anos um diário, no qual descrevia a miséria dos meus dias, e nada advinha desse vómito escrito e, agora, que sinto no peito um amor a transbordar, pinto-o com palavras e ele solta-se a voar.

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  2. Lindo texto, adorei. Escreves muito bem, e com sentido profundos, uma vontade de amar, mas principalmente de ser amada. O amor é lindo, dá saúde e faz nos viver mais felizes. Como descreves situações que podem ser verdade, como de imaginário de tratasse. Sonhar, sonhar é bom, mas qualquer sonho só é verdade quando realizado. Beijinhos

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