domingo, 27 de dezembro de 2015

Valsinha







Um dia, ele entrou no meu peito com carícias feitas do desejo de me amar.
Olhou-me como se fosse monte, vale, fruta amadurecida e beijou-me inteira.

Falou-me do meu brilho. Respirou-me e elevou-me no ar bailando com o meu vestido florido.
Espalhou pétalas e pétalas pelo vento fora e eu fiquei leve e linda, qual pássaro em suas mãos tão puras.
E, rodopiando de alegria, nós os dois fomos três, ao criarmos um mundo de paz num abraço quente, forte, encontrado.


Um dia, ele entrou no meu peito com carícias feitas do desejo de me amar.

- Um dia de sorrisos transbordantes
- Ele entrou espetacularmente bem no meu peito, porque as carícias tinham um cheiro irresistível e porque eram feitas muito devagar como se o tempo dilatado desse uma nova textura ao meu corpo
- O seu desejo de me amar transparecia na leveza e na intensidade do toque das suas mãos


Olhou-me como se fosse monte, vale, fruta amadurecida e beijou-me inteira
- O seu olhar tinha uma força que me tolhia as pernas e me forçava a deitar nos seus braços

- Ele transmuta-me fazendo-me  ser também outras coisas mais: folha, pena, espuma…
- É muito importante ter sido toda beijada, é como se fosse de novo toda criada, uma maravilha


Falou-me do meu brilho. Respirou-me e elevou-me no ar bailando com o meu vestido florido.
- A verdade é que ele estava encantado com o brilho do meu olhar e, por isso, é que isto foi possível.

- A respiração foi fundamental, uma sintonia, uma empatia ancestral

- Adorei  sentir o impulso da subida, teve sabor a céu, a mar, a divertimento

Espalhou pétalas e pétalas pelo vento fora e eu fiquei leve e linda, qual pássaro em suas mãos tão puras. 

- Foi essencial a minha entrega para libertar tanta pétala; foi um ato de confiança e cumplicidade, feito dos simples momentos partilhados na praia das laranjeiras
- Eu fiquei mais bela do que nunca e nunca mais se desvaneceu a forte leveza que o meu corpo ganhou

- Parti da verdade das suas mãos para um voo pelo seu corpo e descobri como estava inundado de música. Era uma valsa de palavras amorosamente ditas.


E, rodopiando de alegria, nós os dois fomos três, ao criarmos um mundo de paz num abraço quente, forte, encontrado

-As nossas voltas éramos nós doidos de alegria a dançar a valsa
- A criação exigiu sabedoria. Sabedoria para deixar a natureza ligar os nossos elementos, mesmo os que desconhecíamos

- O nosso encontro encheu-nos de tal forma que passámos a transbordar uma paz impossível de conter apenas dentro de nós


domingo, 11 de outubro de 2015

Minha árvore





Porque a chuva me despiu bela a teus pés
Porque me encostei ao teu tronco, minha árvore
Porque me deste um abraço cheio de terra
Porque danço com a tua respiração inebriada com o teu cheiro
Porque me invadiste de luz, de brilho, de um branco tão claro
Porque me fizeste tua com o teu doce e sincero olhar
Porque me encho de saudades quando ainda estou contigo
Porque me encheste de tanta paz que pareço voar
Porque quero tocar-te como fera sedenta de loucura
Porque a tua voz me diz o quanto me amas
Porque elevas a minha felicidade além da minha imaginação

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O que eu calo





Tenho um cavalo calado no meu peito. Quando danço, o cavalo solta-se e leva-me pelos campos num galope vertiginoso. O movimento da sua crina acaricia-me o rosto e faz-me subir para cima dele, pondo-me em pé no seu dorso, de braços abertos. Assim voamos como dois anjos, unidos, seguros, luminosos, pelas nuvens, que se afastam e nos prestam vassalagem. Quando aterramos, o meu peito ofegante liberta pétalas de rosa, pois o sangue não cabe em mim e torna-se imprescindível impregnar a terra. O meu cavalo passeia-me então, deitada sobre ele, exausta, por este mar vermelho, deixa-me escorregar suavemente até cair na areia, à sombra de uma laranjeira, na praia, e segue para a tropa, que por vezes vejo passar nos meus sonhos mais soltos.

Tenho um jardim calado no meu olhar. Quando brinco na terra, semeando e plantando a vida em potência, eu própria sou girassol, que se alegra maravilhado com a germinação, a força e dádiva de Deus presente na natureza. E sou também cuidadora incansável e entusiasta das mais simples flores. Deixo-me inebriar pelo seu cheiro, deixo a sua cor pintar-me o corpo e vestir-me de felicidade, porque há uma festa em cada uma. No meu jardim, todos os elementos se enamoram, nutrindo-se mutuamente numa simbiose que enlouquece saudavelmente. Sempre que me embrenho na jardinagem, saio mais renascida, mais viva, mais florida.

Tenho palavras secretas caladas no meu sorriso. Quando comemos os nossos beijos, entramos um no outro como touro e tigre, agarrando-nos, ora delicada ora ferozmente, e nos bebemos por inteiro, soltam-se em mim as palavras mais doces, as indizíveis, as que saem do mais íntimo e se impregnam na tua pele e invadem o teu coração de um bem-querer infinito. As minhas palavras enleiam-se nos teus fortes braços, que me dão o colo-ninho mais encantador possível e me envolvem numa paz, que jamais havia sentido. Este encontro, há tanto, tanto desejado, propicia frases de entrega, que só a lógica dos sentidos e das emoções mais puras permite vislumbrar. Por isso, te digo, meu amor: “Contigo, pela primeira vez e mais do que nunca, sinto-me única, encontrada, querida, encantada, linda, respeitada, mulher e mãe amada, feliz, muito, muito feliz.”

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

A tua voz





A tua voz passeia alegre o meu sorriso
E deixa mais brilhante a areia que eu piso

A tua voz vai comigo à duna mais alta
E dá-me toda a ternura que me falta

A tua voz lê-me pura, por inteiro
Meu doce, lindo e forte marinheiro

A tua voz faz de mim sereia tua
Navega comigo até à luminosa lua

A tua voz entra em mim como num mar
Despe-me das piores dores pra me amar

A tua voz púrpura abraça-me loucamente
Num terno aconchego-ninho permanente

A tua voz agarra firme a minha cintura
Rebola comigo numa eterna aventura

A tua voz seduz-me, bebe-me os seios
Faz-me cair de prazer sem rodeios

A tua voz faz-me mil carinhos sem fim
É música, festa, um delírio pra mim

A tua voz inunda-me de múltiplas flores
Eleva-me feliz aos paraísos melhores

A tua voz viva percorre as minhas veias
Soltando o meu ser que tu livre premeias

A tua voz enleia-me em ternura e encontro
É a minha ilha, o meu lar, o meu conto

A tua voz tem a sublime magia do encanto
Estende sobre mim um maravilhoso manto

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Confiar de novo




A dor do desamor é um vampiro, que nos extrai paulatinamente a alegria e a confiança até à última gota, transformando-nos em mortos-vivos.

Mas a vida é um milagre, feito de poeira de estrelas, é uma força maior e ainda mais arrebatadora, se nos deixarmos envolver pela sua beleza, pela graça, pelo fascínio de simplesmente ser.

Ficar amargurada, olhando para quadros negros, pintados com o desencontro, as falhas de comunicação, as ausências, que me perfuraram e retiraram o sangue, seria deixar-me dominar pela tormenta.

Prefiro, antes, guardar no meu coração o ter conseguido voar, maravilhosamente, sobre o mar da esperança, tendo, no entanto, consciência de que já aterrei e de não querer repetir esse voo.

O fascínio, o deslumbramento que se liberta na relação amorosa eleva-nos ao infinito, enlaça o tempo e o espaço, fazendo transbordar uma vida nova.

Torna-se difícil, quase incompreensível conceber que, depois de tanto encanto, de tanto sentimento, seja possível levantar para novo voo, de tão poderosas terem sidos as vivências. Mas basta ouvir o silêncio, a luz das estrelas, a voz da terra molhada para descobrir que ainda muito há para sentir, ainda muito há para amar, ainda muito há para partilhar.

E porque se geraram em mim, para além das dores, palavras-olhares tão vivos, deixo aqui inscritas como tesouros algumas, não para divulgar o que é íntimo, mas porque esta é a minha única maneira de amar, toda, por inteiro, sem reservas...

E se eu de novo alguma repetir, não há problema nenhum, porque do mesmo modo que uma mãe diz “amo-te” a todos os seus filhos por muito diferentes que eles sejam, também eu amarei de novo numa entrega confiante. É que acontecem maravilhas quando amamos e somos amados.


“As nossas mãos dançam desejos de luz e vida.”

“Sente em cada gota de chuva beijos meus.”

“Um beijo com sabor a saudades, um abraço pintado de desejos…”

“Sabe a brincadeira ficar a pensar em coisas deliciosas para te dizer.”

“És um poema feito de espuma, perfumado de flor de laranjeira, que liberta calor, alegria e maravilha o meu ser.”

“Quero a serenidade de te aguardar ao entardecer para nos partilharmos.”

“Qualquer lamento meu é insignificante perante a certeza inexplicável de tanto te querer.”

                                                                        

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Ser feliz





Rafael Santandreu mostra-nos de forma clara, nesta entrevista, a sua perspetiva sobre a felicidade.

Começa por revelar que a chave da felicidade é abandonarmos os queixumes para passarmos a adotar uma atitude mais construtiva, procurando aproveitar as oportunidades. E são inúmeras as situações do dia a dia em que habitualmente nos lamentamos.

Considera que assumir a frustração é uma coisa má. Há que saber olhar para os pequenos incómodos com outro olhar. Importa desconstruir o já instalado diálogo interno terribilizador, tendo como recurso precioso a argumentação sobre si próprio.

Está subjacente a esta nova atitude a recusa do endeusamento da comodidade, pois um pouco dela é saudável, mas muita provoca problemas mentais, porque tudo se torna penoso, doloroso, triste.

Propõe, neste quadro, que se procure ter uma mente de preferências, em vez de uma de exigências. Quem tem a primeira diz. “Sou um desgraçado, a minha vida é uma miséria…”e quem tem a segunda diz: “gostaria de ser, vou tentar…”

É que a força do desfrute é mais forte que a força da obrigação, pois esta é muito desgastante e pouco construtiva. Para sabermos desfrutar, devemos usar os “óculos” da felicidade, durante uma hora a hora e meia por dia, no sentido de nos habituarmos a não exigir, a não nos queixarmos, a valorizar o que temos. A depressão produz-se por desamor, por não usarmos estes “óculos.”

A sociedade consumista introduziu uma velocidade exagerada na vida quotidiana, gerando situações de estresse permanente. Há que fazer um esforço consciente para reduzir esta velocidade, questionando as exigências que a própria nos impõe, para além das nossas.

Rafael considera que ter comida e bebida são condições suficientes para deixar de fazer dramatismos, mas não defende o conformismo.

Este psicólogo põe também em causa o conceito de que a nossa felicidade esteja na ajuda aos outros, pois defende que esse objetivo deve estar na cabeça de cada um e é da sua responsabilidade. Afirma que a felicidade é da responsabilidade de cada um, porque é individualmente que se há de aprender a resolver os problemas e a felicidade não vem dos outros.

Preconiza que o importante é sabermos cuidar-nos, praticando desporto, estudando, tendo amigos, para estarmos bem para partilharmos a nossa alegria com os outros.

Mas, eu questiono este último ponto, pois vejo a noção de felicidade muito colada ao individualismo.

Uma mãe é mais feliz se passar fome for necessário para nutrir o seu filho, eu sou mais feliz se der um rim a um amigo para evitar a sua morte.

Há que considerar uma perspetiva mais émica, mais cristã, nesta visão de Rafael, alterando a graduação dos “óculos” da felicidade. É necessário acrescentar o prazer de não nos centrarmos na nossa concha de felicidade individual, pois nós somos seres em relação, múltiplos, nascidos e construídos na relação com os outros.

A sede dos meus amigos é a minha sede, o seu medo é meu, a sua dor é igualmente minha. E é no sentido em que eu contribuo para que este ser coletivo se anime que eu sou feliz.

terça-feira, 23 de junho de 2015

O manipulador




Um manipulador sabe arvorar-se em vítima. Vítima da falta de sorte, dos cônjuges anteriores, da doença, de experiências negativas ocorridas na infância…

E este estado de vítima é usado para justificar todos os seus medos, a sua falta de entrega a sua ausência de compromisso. Não admite ser questionado sobre nada, porque tudo o perturba e lhe causa mal-estar, tudo se transforma em crítica destrutiva. Raramente, procura verificar a exatidão do que lhe é dito, ficando preso na sua própria interpretação. O seu egocentrismo torna-o incapaz de se pôr no lugar dos outros e de os compreender em profundidade.

Relato de uma vítima (adaptado):

[Surgiam crises impressionantes quando eu o punha em questão. Então receando as suas reações, resolvia os problemas discreta e calmamente. Se eu lhe falasse de uma simples atitude, de um desejo, se lhe propusesse alguma alteração da rotina, as suas reações eram sempre as mesmas: ameaças de suicídio, auto-desvalorização, insónias… Seguia-se sempre um período de silêncio em que qualquer diálogo era impossível: visivelmente ele sofria!

Eu estava consciente do seu egocentrismo e apercebia-me da discrepância entre o seu discurso e as suas atitudes: citava frases e textos extremamente adequados e lúcidos, mas não fazia a mínima prova dessa psicologia aquando a vida quotidiana lho exigia. O desfasamento entre o seu discurso e os seus atos deixava-me verdadeiramente baralhada, perplexa.

Eu sofria, aquele silêncio parecia-me castigo, censura, um aviso para que da próxima vez não o perturbasse. Sentia-me culpada todas as vezes que fazia uma observação e cada vez mais a evitava.]

Mas porque o manipulador se apresenta simpático, altruísta, sedutor, culto, tímido, possibilita que se passem bons momentos a seu lado. Torna-se desejável. Torna-se também, por isso mesmo, muito difícil reconhecê-lo como manipulador, especialmente, porque ele próprio não se reconhece como tal. Aliás, necessita de assegurar uma imagem positiva de si próprio à qual a sua manipulação é alheia.

Gera-se um ambiente de violência psicológica, que é exercida sem testemunhas.

Resta à vítima aprender a identificar e reconhecer as caraterísticas do manipulador e apostar no melhor remédio para evitar relações tóxicas: o amor por si própria.

Adaptado de: Nazare-Aga, Isabelle, (2001) “Os Manipuladores do Amor”, Pergaminho, Cascais

domingo, 31 de maio de 2015

A música na minha vida



O meu gosto pela da música e a sua relação com a Orquestra Ligeira da Vestiaria

Dos cinco sentidos que nós temos, a audição é o que primeiro nasce, ainda no ventre materno. Por saber disto, durante os nove meses de gravidez dei muitos banhos musicais à minha filha e, por isso, ela ficou destinada a amar a música.

E onde é que eu bebi este amor pela música? Decerto nas canções de embalar dos meus pais, nos ritmos africanos que experienciei ao vivo em Angola, no que passava na rádio e na TV…

Mas uma das experiências mais enriquecedoras para mim foi a do ensaio musical, que acontecia aqui, nesta casa, uma vez por semana, à noite, na companhia de pessoas muito, muito boas!...

Trata-se de pessoas boas, porque tiveram ideias pioneiras em termos musicais na nossa região e por tudo aquilo que criaram:

Criaram uma escola de música, na qual se valorizava a aprendizagem dos conteúdos musicais e do instrumento de uma forma sistemática e coerente, como algo fundamental para o desenvolvimento de crianças e adolescentes;

Criaram-nos como pais, numa dedicação estrema Alberto Campos e Marcos Assunção, que apostaram em nós para a formação da referida escola. Cuidou de nós, também José Guimarães, o primeiro professor a acreditar neste projeto;

Criaram-nos a possibilidade de ocuparmos bem o tempo, coisa que parece simples, mas que todos sabem que sempre foi e é difícil…;

Criaram-nos a possibilidade de aprendermos gratuitamente uma das artes mais ancestrais e harmoniosas da humanidade;

Criaram-nos a possibilidade de nos prepararmos para exercer uma profissão no futuro, musical ou não. Pois o saber trabalhar em conjunto, o saber que o todo depende da qualidade de trabalho de cada um, são fatores essenciais para um bom desempenho;

Criaram-nos a possibilidade de nos envolvermos, pois geraram-se genuínas relações de amizade, que apesar de não serem alimentadas diariamente, ficaram para sempre nos nossos corações (e esta nossa reunião é bem prova disso!).

E foi então, que, um pouco inspirados pela orquestra de Ponte de Sôr, que nos brindou com as suas maravilhosas atuações, nos lançámos, há 30 anos atrás, na grande aventura de iniciar a primeira orquestra ligeira da região.

Ousámos sair da rotina e roubar ao nosso tempo livre (e foi sempre ao nosso tempo livre, nunca foi à escola, pois todos sabemos que a música melhora as notas a matemática e não só…) mais um tempo para experimentarmos novas sonoridades um pouco mais em consonância com a fase da adolescência que atravessávamos.

E esta foi uma experiência que nos agarrou definitivamente à música, mesmo que nem todos tenhamos seguido a carreira musical profissionalmente, porque introduziu uma dimensão de prazer, que é essencial à prática de qualquer atividade para que ela seja verdadeiramente integrada em cada um de nós como benéfica.

Fomos pois beneficiados com o privilégio de tocamos em conjunto, de sermos tocados pela dedicação do maestro Marcos Assunção e de sermos nós próprios a tocar a sensibilidade dos mais novos que nos ouviram e desejaram também partilhar o que esta arte tem de melhor: envolvimento.


Recordo com especial carinho momentos maravilhosos como a nossa atuação na FIL, a qual nos deixou muito orgulhosos, o que faz muito bem ao coração.

E, apesar da música ser uma linguagem universal, digo obrigada, e não thank you, merci ou gracias, porque, de acordo com o “Tratado da Gratidão” de S. Tomás de Aquino”, só o “obrigada” contém a dimensão de vínculo, de comprometimento de continuar esta dádiva perante quantos partilharam comigo tão nobre arte.

Por isso, apesar de atualmente não tocar em nenhuma orquestra, todos os meus alunos levam também um bom banho de música para realizarem os seus trabalhos com satisfação e, muitas vezes, já são eles próprios que pedem para eu colocar aquela música boa (muitas vezes é Bach) para ficarem bem concentrados.

Obrigada, queridos amigos.

Obrigada, gente boa!