segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Teleonomia




Tuas mãos apertavam meu peito, envolvendo-me nos teus braços firmes. Sabias como eu, na noite anterior, devorara homens, num rito onde tu foras parte integrante. Por isso, nós não éramos nós, mas outros renascidos, transmutados.

Meu corpo alimentado e o teu ressuscitado envolviam-se agora grávidos do universo, festejavam a vida sagrada, banhada pela força da criação, que atualizávamos incorporando a alma coletiva.

Escutáramos quietos os murmúrios da terra e sentíramos o calor do Sol invadir-nos e ordenar-nos o nascimento dessa vida em círculos de esplendor. Quedámo-nos em serenas carícias, misturando nossos deliciosos cheiros naturais com a poeira das estrelas, sentindo-nos gratos pela multiplicidade, pela grandeza da existência.

Mas porque a entropia nos mata, chegou também o inexorável momento da minha partida para maravilhar e ser maravilhada no mundo: saí do teu colo doce e seguro e submergi nas águas mais profundas, aquelas de que sou feita, e rastejei, qual reptil ondulante até meus membros enlameados me soltarem para a terra, lançando-me numa corrida vertiginosa; e subitamente, estava plena de graça e eu, qual garça, voava pelo mundo fertilizando-o de alegria e esperança.

Por fim, ofegante de prazer, saltei para o teu confiante regaço. Vinha mais forte, mais mulher, mais bela, pois trazia em mim a teleonomia da vida e tu, meu astro sábio, envolveste-me numa simbiose que ficou inscrita nas minhas células ad aeternum.

Parte tu agora, meu bem, dissipa-te, interage e volta para eu saborear, autopoieticamente, a história do universo no teu corpo.

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