quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Na lambreta com Moretti



Moretti conduz-me na sua lambreta, pelas ruas de Roma, revelando-nos o seu “Caro Diário”. Essa viagem é o que mais lhe agrada fazer. Ele leva-me ao cinema italiano, que nos mostra uma visão pessimista, uma reflexão sobre a acomodação, as derrotas, a degradação social e moral de todos os revolucionários, os quais gritaram palavras horrendas e violentíssimas nas manifestações e agora estão “feios”. O realizador, enquanto espetador, critica, não a luta (pois refere que também o fez, só que com palavras certas), mas a generalização da desilusão, pois é um “esplêndido quarentão”. Nesta perspetiva émica acerca da história de vida, Moretti contrapõe o desencanto, que só vê no passado um ideal, à capacidade de, no presente, se assumir como valor. 

Esta autoconfiança, este estado vivo, leva-o a aventurar-se a entrar em casas desconhecidas, a pretexto de obter informação para filmes de pasteleiros trotskistas. 

E eu, quase a diluir-me, porque Leonard Cohen começa a cantar, voo com o meu olhar pela extraordinária exposição de casas, com a qual, o diretor de fotografia Giuseppe Lanci, nos deleita pela sua forma e cor.

Mas, subitamente, o meu condutor, ao parar junto a um semáforo vermelho, sai da vespa e assume, perante o condutor sisudo do descapotável (mutismo este partilhado por muitos de nós, mas não todos, em tantas circunstâncias sociais), que pertence a uma minoria, pois apesar de acreditar em algumas, não acredita na maioria das pessoas. Esta descrença (que parece continuar o diálogo do filme italiano) poderá ser o questionar o desconcerto, o delírio, patente no 2º capítulo do filme – “as ilhas”, que aparentam ser paradisíacas, mas acabam por se revelar infernais. Ou ainda a crítica aos médicos, por não saberem fazer uma coisa tão simples como ouvir o doente. Percebemos assim que a sua desconfiança relativa às perspetivas mais desencantadas não significa de forma alguma um alheamento sobre os problemas da vida.

E um desses problemas são os limites sentidos por Moretti na concretização de um dos seus sonhos: dançar bem. Diz-nos que, apesar de nunca mais ter sido o mesmo, depois de ter visto “Flashdance” (interessante aqui esta valorização do cinema, após o descrédito anterior, mostrando ser necessário saber ver a qualidade onde ela está) se queda apenas pela contemplação das danças. Na sequência desta revelação, leva-me ao baile onde acaba por cantar “Buscando visa para un sueño” e eu saio da lambreta, envolvo-me no baile e danço. Esta empatia, que Moretti cria connosco, ao colocar-se no lugar de quem deixa os sonhos voar e não os agarra, escancara-nos as nossas desistências, a nossa passividade, a nossa espera de visto, como se o filme da nossa vida ficasse eternamente em stand by e incita-nos a abrir os olhos, a descobrir o que nos faz dançar na vida.

1 comentário:

  1. O recurso à memória é mesmo condição de libertação do presente, pois é ela que fascina Moretti e o leva a realizar o seu sonho de dançar, na pastelaria, onde se deleita com o estranho filme com Silvana Mangano.
    Recordo-me de Milan Kundera quando escreve no seu "Livro do riso e do esquecimento": "Hoje, o tempo avança a passos largos. O acontecimento histórico, que se esquece numa noite, cintila na manhã seguinte com o orvalho da novidade e por isso já não é um cenário na história do narrador, é uma surpreendente aventura que se representa em segundo plano da muito familiar banalidade da vida privada."

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